
09/07/2005
Número - 428
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
“Responde a moça destarte:” |
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Não sei quem foi que disse que entre Brasil e Portugal existe um idioma
que nos separa. Sim, o português falado em Portugal é diferente do falado
no Brasil. Lá, a língua é clássica, quase imutável, respeitada e amada
como um patrimônio. E uma língua que nos deu Camões, Eça de Queiroz,
Fernando Pessoa, etc., etc., é um patrimônio. Um belíssimo patrimônio.
Aqui, um país jovem, que recebeu e recebe imigrantes de todo o mundo, a
língua é viva, se modifica, não aceita ficar aprisionada nas grades da
gramática. A gíria corre solta, principalmente entre os jovens, ganha a
televisão, a imprensa escrita, torna-se instrumento de trabalho dos poetas
e prosadores. Felizmente os bons professores compreendem isto e incorporam
essa modificação à sua didática.
O professor Pasquale Cipro Neto é um deles. Através de seus cursos na
mídia tem contribuído para despertar, no grande público, o interesse em
falar e escrever correto, sem se sujeitar às normas rígidas pregadas pelos
acadêmicos. Ele usa como elemento condutor de seu curso o que é o mais
comum entre os jovens: a música. Seu método é fácil, atraente, e sua
figura simpática perde aquela austeridade dos mestres antigos e ganha a
intimidade dos alunos.
Mas, de vez em quando, o jovem mestre dá uma escorregadela como, por
exemplo, no último fascículo de nossa língua em letra e música, encarte
que fez parte do jornal O Globo, distribuído aos domingos, e que reli
recentemente. Falando sobre a palavra “destarte”, Pasquale Cipro Neto cita
Manuel Bandeira e diz: “Claro, Bandeira é poeta ultrapassado, morreu há
mais de trinta anos!”
Ledo e Ivo engano: Manoel Bandeira não é poeta ultrapassado. É, sim, um
poeta maior, que elaborava seus poemas como grande artista e os trabalhava
como magnífico artesão. Em seu ITINERÁRIO DE PASÁRGADA - cuja capa,
curiosamente, foi feita por Carlos Drummond de Andrade, seu admirador
confesso - acompanhamos seu trabalho poético, quase passo a passo, e nos
comovemos com o amor que ele tinha por seu ofício. Pelo amor que ele tinha
pelas palavras. E como é bela a palavra “destarte”, pena que não a usemos
mais, como não usamos “semblante”, “ternura” e “afeto”. (Aliás, Camões
também usou a palavra: “Destarte para o Rei de longe brada: — "Ó tu, a
cujos reinos e coroa ...” e quem tem coragem de dizer que Camões está
ultrapassado?).
O Professor Pasquale Cipro Neto tem feito um bom trabalho em prol de nossa
língua, somos gratos a ele. Mas por ser um homem público, que está lidando
com a cultura e ajudando na formação de nossos jovens, não deveria julgar
nossos poetas.
Manoel Bandeira, Cassiano Ricardo, Drummond, João Cabral, Manuel de
Barros, etc., etc. são nomes que honram a língua e nos deixam orgulhosos
de sermos seus contemporâneos. Dizer que qualquer um deles está
“ultrapassado”, assim mesmo, entre aspas, é não conhecer suas obras ou
fazer um juízo precipitado de um tema que deve ser tratado com respeito e
profundidade.
Para terminar, uma história que presenciei: Nelson Rodrigues estava
tomando café, em frente à Última Hora, quando, ao ler uma crítica que
esculhambava alguém, jogou o jornal de lado e esbravejou:
- Em qualquer parte do mundo, o sujeito pega uma espingarda, mata um leão,
empalha sua cabeça, pendura na parede e é considerado caçador pelo resto
da vida. No Brasil, a gente tem que matar um leão por dia!
Manuel Bandeira não matou leões, mas foi um dos construtores de nossa
língua e de nossa cultura. A ele nossa gratidão e respeito.
E é só.
(09 de julho/2005)
CooJornal
no 428
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@bol.com.br
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