
23/12/2006
Ano 10 -
Número 508
ARQUIVO
BRAZ CHEDIAK |
Braz Chediak
A FEIJOADA
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Dirigiram-se à mesma mesa, ao mesmo tempo. Percebendo que a mulher ficara
sem jeito, indicou-lhe a cadeira:
- Por favor, a senhora chegou primeiro.
Ela agradeceu, ele insistiu e ela sentou-se. Como ele ficara de pé e o
restaurante estava cheio, sugeriu:
- Se o senhor não se importa...
E indicou-lhe a cadeira em frente. Ele sentou-se. Apresentaram-se, cada um
dizendo seu nome e, quando o garçom chegou, pediram quase ao mesmo tempo
uma feijoada.
Diante daquela palavra mágica “feijoada”, os olhos se encontraram. Ela
teve um leve rubor. Ele sorriu:
- Estou com fome...
- Eu também!
O garçom voltou, deixou as tigelas fumegantes e se foi. Ele pegou a colher
e perguntou se podia servi-la. Ela aceitou, balançando a cabeça, e disse:
- Só de olhar me dá água na boca!
Ele serviu-lhe o arroz, serviu-se, pegou a vasilha de couve:
- Você gosta?
- Adoro. Eu não como feijoada desde que...
- Desde que?
- Desde que me separei... meu marido...
- Seu marido não gostava?
- Gostava. No começo muito. Depois ele começou a fazer dieta. Preferia
saladas. Começou a comer fora.
Ele, quase cochichando:
- Eu não troco feijoada por nada. É muito gostosa.
- Você acha?
- Acho. Acho.
Mastigavam lentamente. Trocavam palavras gentis. Pediram mais arroz. Ela o
serviu. Ele pegou a tigela com torresminhos e aproximou-a do prato dela:
- Posso pôr?
- Põe, só um pouquinho.
- Tá bom?
- Um pouquinho mais...
Sentindo o gosto, o tempero, deleitavam-se. A mastigação tornou-se mais
rápida. Mãos ansiosas pegavam garfos, colheres, guardanapos. Bocas
salivavam de prazer. Palavras eram ditas sempre no diminutivo: costelinha,
pezinho, lombinho...
Ele apertou a colher numa orelhinha. Ela, respiração ofegante, disse:
- Não agüento mais...
Ele pegou um rabinho, ela tapou o prato com as mãos abertas:
- Não. Não...
- Só mais um pouquinho...
- Não. Chega. Você me mata...
A refeição durou menos de meia hora. Estavam com muito apetite. Ficaram
assim, curtindo a comida gostosa, quente, até esvaziar os pratos. Ela,
então, pegou o suco de laranja, bebeu e ele viu que seus lábios molhados
brilhavam. Bebericou o chope. Ela viu que os lábios dele brilhavam.
Enxugaram a boca, satisfeitos, saciados. Deixaram os guardanapos
suavemente sobre a mesa. Ficaram longo tempo num silêncio cheio de prazer.
Ela sorriu. Ele sorriu. Ela disse baixinho:
- Nunca comi tanto... Você tem um apetite...
Ele, gentil:
- Você também...
Os dois se olharam, olhos nos olhos, e cochicharam ao mesmo tempo, como se
fosse um coro:
- Vamos descansar um pouco. Depois a gente pede a sobremesa.
(23 de dezembro/2006)
CooJornal
no 508
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
brazchediak@gmail.com
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