16/07/2020
Ano 23 - Número 1.181

ARQUIVO SIMÕES

Francisco Simões
em Expressão Poética

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Francisco Simões
OUTRO VELHO AMIGO
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Eu o vi de longe, sabia que ele vinha ao
meu encontro. Afinal não nos víamos nem nos falávamos há tanto
tempo. Ele me descobrira e me telefonara avisando que queria vir.
Eu sabia que ele não estava bem.
Ele era mais um amigo de longa
data, talvez um pouco mais novo que eu, mas mesmo assim alguém que
vinha passando pela vida por muitos e muitos anos. Eu sabia que
não fora feliz como eu no primeiro casamento e depois poucas vezes
falamos.
Percebi que seus passos eram lentos e que puxava um
pouco por uma das pernas. Cabeça baixa, lá vinha ele ao meu
encontro. Os metros que ele andava pareciam ser quilômetros a
percorrer. O amigo até parecia mais velho do que realmente era.
Encostado na porta da casa em que eu vivo aguardava tranquilamente
o momento de poder recebê-lo. Nós sempre nos demos bem, mas os
caminhos que a vida traça para nós algumas vezes costumam ser
muito diferentes.
O destino por seu turno nos prega peças e se
nos traz momentos de felicidade por outro lado esconde surpresas
que somente vivendo vamos descobrindo. Algumas vezes nos reserva
tristezas, solidão, chegando mesmo quase ao desespero
eventualmente.
Alguns não resistem. Temos lido histórias de
pessoas especialmente neste período de quarentena do tal vírus
Covid 19 que por já alimentarem a ideia acabam por concretizar o
que de mais triste eu conheço. Tiram sua própria vida antes do
tempo.
Pela minha cabeça também já se passaram essas ideias
meio tresloucadas em certas ocasiões, mas nunca tive coragem de
leva-las adiante felizmente, mesmo sofrendo. Eu disse coragem,
porém não sei se é a palavra apropriada.
Enfim ele se
aproximou de mim com os mesmos passos lentos e vacilantes.
Abraçamo-nos na soleira da porta e eu o convidei a entrar e sentar
para conversarmos, ou como se diz, botarmos nossa conversa em dia.
Seriam anos e anos de nossas vidas que tentaríamos atualizar.
Meu bom amigo primeiro retirou a máscara que usava conforme
determina o costume atual, em defesa da própria vida. Sua voz
estava meio ofegante. Ele aceitou sentar-se e tomar um gostoso
cafezinho que minha mulher acabara de fazer.
De repente ele me
olhou fixo e vi que seus olhos estavam a lacrimejar. Disfarcei,
fiz que não percebi, mas entendi porque eu já tivera momentos
iguais mesmo estando sozinho em algum lugar. Entendi a dificuldade
que ele sentia em começar a falar, pois não queria plantar a
tristeza num momento de saudade e reencontro alegre.
Meu bom
amigo se controlou e após trocarmos algumas ideias sobre o momento
presente, a tal quarentena, apresentei-lhe nosso netinho de três
anos que passava o dia aqui em casa. Ele o abraçou emocionado e
sorriu. Logo depois confessou que na vida dele fazia muita falta
um neto que ele não tivera.
Conversa vai conversa vem ele
acabou dizendo que após sua separação da primeira esposa, o que
ocorrera há muito tempo, um dia ele reencontrou o amor, segundo
suas palavras. Fez uma pausa e enfim afirmou que antes nunca a
tivesse conhecido. Não entendi e, mesmo não querendo tive que
fazer a pergunta que me veio à mente.
“Enfim amigo o que
aconteceu no seu segundo casamento?” A resposta veio após longo
suspiro: “Nós nos dávamos bem, posso dizer que tive alguns
momentos de muita felicidade, sei que ela gostava de mim, todavia
de repente com cerca de apenas 7 anos de união um enfarte a levou
para o outro lado da vida.”
O silêncio tomou conta do ambiente
e minha esposa percebeu que deveria se retirar do ambiente
discretamente. Ficamos só nós dois e ele pode então abrir
definitivamente seu coração. Após um longo suspiro meu amigo
lamentou não terem tido nem um filho sequer. Ele estava só, muito
só e já há bastante tempo. Passou assim pela vida aqueles anos
seguintes, aposentado, viúvo, numa solidão em que alguns
pensamentos tentaram levá-lo a uma atitude que felizmente não
tomou.
Ele fez uma pausa e chegou a dizer: “Amigo, você que
deve ser feliz, está no terceiro casamento, mas tem família,
assumiu filhos e agora vieram netos. Pelo que percebo descobriste
a receita para ser feliz no fim da vida meu bom amigo. Deus te
abençoe sempre e a todos os teus.”
Eu preferi me calar, só
ouvir e sentir o drama dele. Afinal ele não deixava de ter um
pouco de razão, porém como dizem, a felicidade é apenas um
estado de espírito e não algo que dure tanto tempo. Pois é, para que
ficar falando da minha vida se ele queria era desabafar. Ficamos
juntos mais algum tempo, tomamos um lanche e logo depois ele saiu.
Novamente eu voltei à nossa porta e vi meu velho amigo seguir com
seus passos meio vacilantes. Ainda havia vida para viver. Se ele
não estava muito bem torci e orei para que sua situação
melhorasse. Quem sabe ele acabaria encontrando alguém para junto
com ele fazer o par da felicidade de ambos.
Voltei para dentro
de casa, olhei para minha esposa e rapidamente passaram-se muitas
coisas em minha mente. Meu Deus podia ser eu que estivesse no
lugar dele, mas o destino quis diferente. Há de ter uma razão.
Agradeci por nós e pedi novamente por ele, pois sempre foi muito
bom amigo.
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fm.simoes@terra.com.br
Francisco Simões
escritor, poeta, fotógrafo (expositor), ex-radialista
Rio de Janeiro
Conheça um pouco mais de Francisco Simões
http://www.riototal.com.br/escritores-poetas/expoentes-021.htm
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