Ulisses Tavares
Envelhecer é soda |
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Não preciso ser Casanova, o
sedutor, para perceber que as mocinhas me olham como velhinho, carta fora do
baralho. Nem Tio Patinhas para constatar que o dinheiro me rejuvenesce
aos olhos das fêmeas capitalistas sem capital. Para que médico se velho é
enciclopédia ambulante de medicina?
Jovem tem doença. Velho, comorbidade.
Idade traz sabedoria? Na Grécia antiga sim. Hoje, apenas submissão ao Google.
Se ele falou, tá falado e ponto final.
Chamar de vovô nada tem de
carinhoso. Apenas grudar um rótulo de o que você ainda está fazendo nesta
terra?
O tempo presente não inclui o velho. Ele já era mesmo que ainda
continue sendo.
Meu pênis uma ponte levadiça que assusta visitantes do
castelo em ruínas.
Envelhecer não assusta tanto ao velho. Apavora é aos
outros que o vêm como porta estandarte ambulante do que vai acontecer com
todos que forem longevos.
Ninguém escreve ao coronel que nem mais coronel
é.
Sozinho nascemos, sozinho morreremos. Mas o velho morre em vida, dia
após dia.
Será possível disfarçar a velhice? Até que sim, mas tudo que é
sólido desmancha no ar. Qualquer coroa que injetou silicone sabe disso.
As
lembranças, a memória do já vivido, preenchem a velhice? Mais ou menos, afinal
são apenas o que não acontecerá de novo.
Há futuro para o velho? Há. Mas
falta vigor para haver.
Passatempos, grupos de apoio, o escambau de
recursos modernosos para enfrentar a velhice funcionam? Sim, mesmo porque a
alternativa é o nada, o sono eterno.
Se eu me sinto velho? Claro que não.
Os outros, o entorno, é que me sentem assim.
O bípede humano é uma
fantástica e inigualável evolução da natureza. Pena que veio com a consciência
do fim como cereja do bolo.
Nenhum sonho grandioso ou ególatra caberá no
mesmo caixão de um cadáver. Isso é deveras frustrante, convenhamos.
Novos
tempos, novos paradigmas, novos conceitos. E onde o velho se encaixa nisso?
Não se encaixa, nem a marretadas. No limite, disfarça, mas não se engana.
Antigamente, ontem mesmo, um átimo de tempo, velho era sinônimo de sabedoria,
experiência, um xamã a ser consultado. Hoje é para ser varrido do caminho,
poeira incômoda, espelho quebrado.
Nunca esperei viver tanto. Poeta, meus
ídolos poetas se foram cedo, bem jovens embora fecundos. Baudelaire, Mallarmé,
Castro Alves e tantos outros. Agora aqui estou, poetando. O que será que
fiz de errado?
(1º de agosto/2016)
CooJornal nº 994
Ulisses Tavares é poeta, professor, publicitário, jornalista, dramaturgo,
compositor, roteirista e ator http://www.uliissestavares.com.br
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