ÁNGELES- NO LIMITE DO SILÊNCIO
Antonio Júnior
de Barcelona
Nas Ilusoes Perdidas de Balzac, M. De Châtelet
ridiculariza os apaixonados versos que Lucien se esforçava por interpretar em um recital aristocrático:
"Hoje, aquela velha roupa poética (o ossianismo) foi substituido por Jeová, pelos sistros, pelos anjos,
pelas penas dos serafins, por todo o guarda-roupa d paraíso...".
Enquanto o argentino Jorge Luis Borges imagina o filósofo e poeta visionário sueco
Emanue Swedenborg (1688-1772) "conversando com os anjos pelas
ruas de Londres". Swedenborg, venerado no Brasil pela poeta Hilda Hilst, inspirou seitas com uma doutrina
dirigida por visões, segundo o qual um invisível mundo de anjos e demônios influi constantemente no mundo
visível. Os Anjos também são fundamentais na poética do alemão Rilke. Portanto,
não é de hoje que esses seres invisíveis, estão presentes na literatura.
esquecendo esse "boom" editorial vulgar atual, onde essas criaturas imateriais proliferam num
culto esotérico ou até mesmo estético, raramente religioso,
os Anios se popularizaram definitivamente na Bíblia Sagrada com papéis decisivos em muitos momentos.
Fora os Anjos quem resgataram Lot do incêndio de Sodoma; há
seres alados nos sonhos de Josué e Jacob; foi um Anjo que segurou o braço de
Abraão quando por cega obediência a ordem divina, está a ponto de
sacrifica o seu filho Isaac. Mas muito antes da origem do cristianismo, eles já estavam no imaginário
da civilização mesopotâmica, e de um ou outro modo encontra-se a presença de seres celestiais (bons
maus) em todas as religiões do mundo, sejam chinesas hindus, babilônicas, egípcias, celtas, incas ou
astecas. Somente no século III começou o culto angelical na igreja católica, impulsionado por
padre como Sao Ambrósio. Toda a arte e a cultura dos séculos
XV ao XIX está marcada com a presença de Anjos, que foram
inspiração para Rafael, Caravaggio, Leonardo da Vinci, Veronese, Dührer e outros mestres, desde a
figura humana do primeiro cristianismo até o Anjo romântico caído, passando pelos Anjos barrocos e
neoclássicos. Esses Anjos que fazem furor em meio mundo, segundo
estatísticas recentes, estão presentes
de forma positiva em 70% dos cidadãos norte-americanos, e 30% deles afirma haver experimentado pessoalmente sua
benéfica proteção. Jornais e revistas de tema angélico (Angelworks, Angel
Times...) reproduzem fervente testemunhos de ajudas, socorros e consolos milagrosos.
Creio que houve um tempo da existência humana em que pessoas de grande sabedoria e com inquietudes
espirituais tiveram contato com Anjos e falaram co eles. Não creio, confesso, que neste momento
insípido atual da história da humanidade, alguém fale ou
mesmo veja Anjos. No cinema, It's a Wonderful Life (1946),
de Frank Capra, onde um Anjo evita o suicídio de James Stewart na noite de natal, é todo um clássico.
N magistral filme de Wim Wenders, Asas do Desejo (De Himmel uber Berlin, 1987), com roteiro de Peter
Handke, o Anjo interpretado por Bruno Ganz consegue transformar-se em um ser mortal ao se apaixonar por
uma trapezista. Na sua queda voluntária reconhece outros anjos com mais experiência no
mundo terrestre, como Peter Falk que roda em Berlim um filme protagonizado pelo detetive Columbo. k.d. Lang e
Wim Mertens cantam os Anjos em In Search of Angels.
Um dos grandes críticos literários do mundo, Harold
Bloom, fala que Angels in America , de Tony Kushner, é a melhor obra teatral norte-americana desde Tennessee
Williams. Eu sou um desses escritores crédulos - como Lorca e Rafael Alberti - nestes seres misteriosos,
protetores, de poderes superiores aos humanos. Em Nódoas, Anjos e Outros Poemas(1998), escrito em
Londres, a minha poética suaviza sua dor e malefícios com a presença destas divindades aladas, longe de
qualquer doutrina teológica, até mesmo do Deus cristão: "reduz-me a
incompreensão, / o quebra-cabeças dos argumentos morais, Anjo meu / e dai clarividência
e santidade / a esta caneta entre meus dedos.".Agor acabo de escrever um texto teatral, Amásia, que
inicialmente seria chamado Angeli, onde um Anjo seco, duro, porém cheio de sensibilidade,
praticamente obriga a alguém que morre a recordar amores transitórios. É o momento de perguntar-se: por que
este e não o outro? por que essa gente se ata ao nosso espírito, ocupa a nossa
imaginação, e até às vezes nos devora o coração? Um Anjo (Athóm) em busca de
u violeta de loucura silenciosa. Uma criação em busca do essencial, se aproximando dos limites angelicais do
silêncio. São marcas de um caminhante